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“Debatendo 1968” foi promovido pelo vereador Ademir Pestana (PSB) na Sala Princesa Isabel da Câmara Municipal nesta sexta-feira, dia quatro de abril, e renovou os ideais de transformação com velhos e novos militantes sociais. O evento seleto de cerca de 50 pessoas, entre militantes antigos e jovens estudantes, advogados, artistas e jornalistas. Nasceu nesse encontro o MOVIMENTO COLETIVO 68, coordenado pelo gabinete do vereador Ademir através de seu Assessor Paulo Matos e integrado pelos que lá compareceram, aberto à adesões que incorporem o sentido de estudo e divulgação de temas sociais e elaboração de um livro sobre estes tempos em Santos.

Os presentes descreveram e discutiram as origens seculares e recentes da intensa onda de mobilizações estudantis, operárias e libertárias todas dessa época, rumo a estruturas diferentes para a sociedade dos que nasceram filhos dos renovadores do pós-guerra neste 4/4 que marcou os 40 anos do assassinato de Martin Luther King – o pastor batista líder do Movimento Negro nos Estados Unidos. “Pode-se dizer que 1968 nasceu do inconformismo com as regras vigentes e ocorrências históricas como os 120 anos da palestra de Henry David Thoureau em 1848, a `Desobediência Civil´ de caráter anárquico e defensor do `não-poder´, teoria abraçada pelos ativistas de então no ano que registrava os cem anos da entrada de Castro Alves na Faculdade de Direito do Largo do São Francisco em SP”. Foi o tempo da brutal invasão de uma peça teatral pelos integrantes do Comando de Caça aos Comunistas com espancamento dos atores, um movimento que agia por aqui pedindo “morte aos comunistas”.

“Este tempo, disse Ademir na abertura, foi importante e registrado por diversas obras literárias no planeta” – diga-se o conhecido livro de Fernando Gabeira “O que é isso, companheiro?” e os que estão sendo lançados na comemoração destes 40 anos, como “Diário da Patetocracia”, de José Carlos Oliveira, “Maio de 68 explicado a Sarkozy”, de André Rafael Gluksmann, “68: destinos. A passeata dos cem mil”, de Evandro Teixeira. O autor de “1968, o ano que não terminou”, Zuenir Ventura, está lançando “1968, o que fizeram de nós”. E Regina Zappa e Ernesto Sotto estão lançando “1968, eles só queriam mudar o mundo”, entre outros. O advogado e ex-integrante do PCB Gerson Martins explanou extensamente posições ideológicas, políticas e factuais do movimento em Santos e propôs a continuidade do movimento.

Estiveram presentes o arquiteto e perito judicial Lélio Kolhy, o presidente da União dos Jovens Socialistas do PC DO B, Carlos Alves e os artistas Miro e Juracy Silveira, além do jornalista Lane Valiengo representando o vereador do PPS, Brás Antunes Mattos. Lá esteve também o sindicalista aposentado Alberto Quelhas, que falou das lutas, da intervenção e dos interventores no Sindicato do Petróleo e do Psicólogo Rivaldo Leão, ex-integrante dos grupos de luta clandestina contra a Ditadura Militar. Lá esteve também o Dr. Mário Cardoso, diretor clínico da Beneficência e ex-presidente da Associação Médica Brasileira, que quando estudante esteve entre os presos políticos. Representantes da Zona Noroeste também foram ao encontro.

1968, como foi? Qual a origem das mobilizações reivindicatórias e opinativas de massa ocorridas em 1968 que varreram o planeta? “São origens híbridas, multiculturais, semeadoras da crítica à cultura existente na contracultura, elas se dirigem à proposta de mudança na ordem política e social existente”, colocou o jornalista e historiador Paulo Matos, na abertura posterior à palavra do vereador Ademir Pestana – que fez diversas reflexões sobre esta época em Santos. “O pós-guerra é o momento dessa crítica que repete o renascimento cultural depois dela, quando se expande a crença no modelo de Justiça Social baseado na Revolução Russa de caráter autoritário, que assusta o mundo com sua disseminação”, continuou o jornalista e Assessor Parlamentar do vereador Ademir.

O artista Miro, colecionador do cinema que fazia os painéis apresentando os filmes trazidos pelo Clube de Cinema de Maurice Legeard, núcleo fundamental do aprendizado da esquerda a sessão da meia-noite criada aqui, discorreu sobre este importante universo cultural que trazia pessoas à luta engajada de transformação política que se desenvolvia. Aníbal Ortega, militante político de 68 e ex-presidente do PCB, contou a forma organizacional realizada para conquista dos grêmios estudantis e posterior tomada do Centro dos Estudantes de Santos pela Juventude Comunista, referindo-se a lideranças efetivas e dedicadas que contribuíram para esta ação, como Evaldo, membros vitais de 68.

O ano de 1968 foi um movimento libertário anarquista de muito maior agregação do que as creditadas aos comunistas – liderado pelo movimento hippie e contra a Guerra do Vietnã nos Estados Unidos. “Tal e qual as manifestações anarquistas do início do século – provando a eficácia dos processos de livre associação horizontal”, esclareceu o jornalista Paulo Matos, atribuindo-o à massificação das ações naquele momento. É o movimento hippie que dá o tom desta crise do “american way of life”, fugindo do mercado que transformava até o amor em mercadoria na sordidez capitalista de valores esgotados, definiu.

Para Matos, 1968 repetiu as mobilizações de 1848 da Comuna de Paris, das Revoluções Populares que contestam o sistema baseado na propriedade privada consagrada no Código Napoleônico de 1804, deturpando o originário Direito Romano. Nele, a propriedade abre para o usufruto comum dos bens, vide os espaços abertos aos peregrinos, ao nomadismo.“1968 é a reação histórica ao positivismo, uma visão eurocentrista transplantado radicalmente para a América do Norte – que em 1968 reage à segregação de uma sociedade que se feudalizava e se centralizava em ações de guerra. E que seria contestada pelas massas nas ruas com Martin Luther King, assassinado há 40 anos neste 4 de abril, com uma marcha de 4 milhões de pessoas sobre Washington. Uma massa que contestava a Guerra do Vietnã e saia às ruas com suas músicas, cabelos e roupas inconformes, dizendo não aos jovens mortos na Ásia a troco de nada”, disse o jornalista.

“1968 foi um ano que terminou no Brasil quando os militares “soldaram a panela de pressão” que apitava aos invés de diminuiir o fogo repressivo, a censura. Terminou com um discurso do deputado Márcio Moreira Alves no Congresso Nacional disse que as mulheres dos militares deveriam negar-lhes o amor porque eles matavam faz explodir a ira dos gorilas brasileiros. E veio o Ato 5, que fez dez mil prisões, cassações, torturas no golpe dentro do golpe na ascensão da direita radical“.

“A reação veio a seguir e sua ótica é o repúdio ao caráter seletivo do capitalismo e do anseio à liberdade que não é egoísta, mas de grupos. É uma crise no envelhecimento da velha ordem e da pretensão de utopias. O velho modelo só fazia matar, roubar, explorar, expandir, produzir sem limites. Explode, aparentemente em sentido contrário, na Checoslováquia contra as mesmas fórmulas estanques do intitulado comunismo que nunca foi”, esclareceu Matos, que salientou que o esmaecimento do poder dos estados se dava por motivos simples, ou seja, ele não mostrara a que veio. A imigração de intelectuais europeus para os Estados Unidos, como Herbert Marcuse, punha a nu em termos teóricos esta crítica ao que chamava de “sociedade afluente” ou de consumo, como entende o filósofo Alcides Teles Júnior.

Estava plantado o renascimento intelectual na mesma natureza dos anos pós-45, em que a admiração mundial pela União Soviética provocava reações iradas da classe dominante tipo macarthismo e reações fascistas como o fechamento do Partido Comunista Brasileiro – semeador de um novo mundo. Esmagada esta ânsia coletiva pelo novo, o sistema da propriedade privada entronizou princípios dogmáticos de base frágil, em que as palavras liberdade e democracia se mostravam sem razão em quadros sem sentido, com discursos que não se provavam e que só tinham vigido até agora sob o domínio da força e do medo. Mas 68 era maior, libertário, da livre-associação. 1968 reagiu. E saiu às ruas pedindo comida melhor como Edson Luiz assassinado em março, como os estudantes de Nanterre que não podiam visitar mais as moças na Universidade, saiu pelas liberdades da Primavera de Praga esmagada por tanques, saiu endeusando Mao-Tsé-Tung e sua Revolução Cultural que desconhecíamos.

1968 saiu no sonho de Ernesto Che Guevara tornado símbolo de gerações e retrato destes tempos de transformação após abandonar um Ministério e vir lutar na selva boliviana pelos miseráveis. Assassinado, sua expressão humanitária proliferou através das fronteiras. Nestes tempos, uma ilha lutava para se criar vida decente na América Latina – o que se fazia com sucesso na aliança de Cuba com a União Soviética e uma política de desenvolvimento popular. Que revela seus acertos hoje com todos os recordes mundiais de qualidade de vida, de médicos e professores por habitante, na mortalidade infantil menor do mundo, na perspectiva de vida maior do mundo apesar do bloqueio americano. Mas o exemplo não poderia prosperar.

A certeza dos caminhos e da possibilidade de mudança, da crença no “assalto aos céus” constatado por Marx se dava na medida da ocorrência das ações perante forças que só sabiam reagir com a violência das armas contra as que se colocavam flores. Assim reagiram contra os que protestavam contra a demissão de Henry Langloir como diretor da Cinemateca Francesa, enquanto aqui também era tempo de cinema e de Maurice, de Godard, de Pasolini, de Moniccelli, de Waida, de Truffaut, de Glauber – formando públicos aculturados e abertos para novos horizontes.

Mas nestes tempos em que o próprio Papa Católico Paulo VI admitia que os oprimidos usasse a força para mudar sua história, em sua encíclica “Populorum Progressio”, em que seres diferenciados como D.Helder Câmara agiam pelos pobres, em que Camilo Torres tombava na selva na luta popular, ah, estes tempos foram de luz e encantamento para nós jovens recém-saídos da infância, púberes que se apaixonaram pela grande construção de um novo mundo. A velha luta de classes tomava outra forma, a da rebeldia contra um modelo apodrecido que, persistente, começa a mostrar suas partes podres e criminosas no esgotamento do sistema econômico baseado na exploração e na opressão – ao que temos o dever de destruir para instaurar uma rota de felicidade.