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Neste Dia da Saúde, estamos oficiando ao responsáveis em defesa da saúde brasileira. Uma saúde que tem o maior sistema de atendimento do mundo o SUS – mas é agredida por um modelo de tratamento que, ameaçado nos Governos anteriores, dá sinais de se concretizar aniquilando estas instituições seculares de tão importantes serviços prestados à saúde. É preciso reverter essa perspectiva, pois as entidades filantrópicas garantem metade dos atendimentos deste país e o fazem desde o desembarque das caravelas há cinco séculos e tanto.

Atuando em prol da saúde desde o distante ano de 1859 – fará 149 anos em 21 de agosto – o hospital da Sociedade Portuguesa de Beneficência foi e é vital para a comunidade da Baixada Santista, como são suas 49 co-irmãs pelo país. E está sendo vítima, como as demais instituições filantrópicas, que queremos corrigir, de não atender aos níveis exigidos de pacientes SUS. Ameaçada está a saúde brasileira, em sua estrutura fundamental de 500 anos, as filantrópicas – as quais não se pode exigir níveis de atendimento senão equivalentes às isenções que recebe.

Este é o tempo de alterar processos, em um Governo popular comprometido com o futuro e com a vida, como neste procedimento arquitetado nos anteriores tempos neoliberais. Entidades seculares, como a Beneficência, merecem certificações pétreas pelo que representam, mas estão ameaçadas pela ausência de normas claras e objetivas de conduta para avaliar as que desempenham ou não o papel da filantropia, com níveis de atendimento SUS – na negligência com que sempre foi tratado o setor, que se aguarda melhora.

A Beneficência mantém suas portas abertas desde o tempo em que as epidemias devastavam a vida nesta cidade, no final do século XIX, matando metade de sua gente. Impossível deixar de anotar que foi a Beneficência a única entidade filantrópica a atender quando do fechamento da Santa Casa, na década passada, atendendo à sua capacitação total ampliada – o próprio Salão Nobre foi ocupado para colocar leitos – pela rede pública SUS. Esse fato que a levaria a uma grave crise e à quase insolvência. E o Governo, onde estava? Agora multa?

Respondendo, Ministro, o volume isentado o é evidentemente em benefício da população carente. E não só, de toda a estrutura de saúde que a população dispõe e o próprio Estado não possui. Existem hoje 35 milhões de usuários de Planos de Saúde, que queiramos ou não, fazem parte do sistema suplementar brasileiro do setor, aliviando o sistema SUS a que teriam direito. Seus usuários exigem hospitais equipados, que remunerados por eles atendem também ao SUS. Como desmontar esta equação ?

A entidade filantrópica precisa ser bem equipada, para atrair os Planos de Saúde e fazer frente às despesas, que são inevitáveis. A falta de recursos levou à criatividade e a criatividade fez a terceirização. Leis uniformes não podem ser aplicadas entre quem recebe ou não (como nós) verbas públicas, em entidades que não recebem sequer ambulâncias do Governo, que os diretores são voluntários. Em uma época de fortalecimento da atividade comunitária não-estatal, esta atitude de puni-las com multas e cassações do certificado de filantropia vai na contra-mão da história.

Quais são as normas de conduta? São contabilizados todos os procedimentos? Ou apenas o cálculo é feito em bloco, por número de usuários? E as vagas colocadas a disposição e não ocupadas por determinação das centrais de vagas das secretarias municipais de saúde? O hospital responde pela sua não-ocupação? E os procedimentos não-representados por leitos, como hemodiálises, com equipamentos caríssimos?

Neste momento em que crescem as despesas e reduzem-se as receitas das instituições, como fazer para não regredir ? É preciso refletir e sobrepensar estas questões, antes de decidir destruir uma estrutura nacional de saúde. Ou o Governo quer encampar o setor e, como determina a Constituição, incumbir-se da saúde? Quer pagar os 60% da filantropia? Os milhões de dólares aplicados em equipamentos terceirizados são colocados à disposição dos pacientes do SUS – mas exigem faturamento para serem pagos no leasing, de dez anos ou mais.

Por que será que os hospitais públicos não dispõe destes equipamentos?

Existe a Beneficência desde o tempo do Império, 30 anos antes da República – e agora, em tempos de uma suposta modernidade, sofre ataques inadmissíveis do Governo – que quer impor custos à sociedade multando a instituição.

Estamos aqui para colocar as ameaças que sofremos. São as mesmas que pairam sobre as quase cinco mil entidades filantrópicas, fruto de políticas anti-sociais equivocadas, aplicadas sobre entidades nas quais se baseia a estrutura social brasileira. As multas aplicadas sobre nós decorrem da ausência do certificado de filantropia de janeiro de 93 ao mesmo mês de 97, quando conseguimos retomá-lo, após nossas gestões nesse sentido – já que havia sido cassada por falta de prestação de contas, causando a multa aproximada de quase 13 milhões de reais.

Dentro desse valor está a multa imposta sobre vínculo trabalhistados médicos do corpo clínico, ainda que trabalhassem em rodízio e não sejam subordinados às normas funcionais desta instituição. Que adotou esta forma de contrata-los para garantir sua presença junto aos pacientes/SUS, inclusive, já que não poderia pagar seus salários. Isto foi considerado, apesar destes médicos se substituírem autonomamente, entre os mais de 300 médicos de nosso corpo clínico – desconfigurando, assim, este custo arbitrário. A Santa Casa foi objeto da mesma ação e logrou vencer a demanda em seu favor. Por que agora a Beneficência ?

Há ainda o caso da fisioterapia, terceirizada há mais de dez anos, que está injustamente tendo seus custos trabalhistas impostos sobre a instituição. Ao contrário desta mesma linha de argumentação, temos o caso do Hospital Santa Clara, cuja construção foi feita por funcionários da Beneficência – e que desejam também que seja paga outra vez a Previdência, em duplicidade.

Agora vejamos: o Governo Federal permaneceu durante quase 5 anos sem fazer repasses ao Hospital – e ele resistiu, mantendo o atendimento, inclusive o público e gratuito. Se o Governo que descaracterizar este tempo da Beneficência como entidade filantrópica, então teria que pagar os valores praticados não na tabela do SUS, mas dos reais, preços de atendimento particular. E este qüinqüênio de ausência do Governo, de inadimplência, poderia gerar um processo de indenização, pois que levou a entidade a incontáveis prejuízos, sem poder pagar fornecedores e funcionários, custos acrescidos da demora em saldá-los.

Não se crucifique definitivamente uma prática que a cultura popular brasileira traz de raiz, a das entidades sem fins lucrativos que atuam no setor. A criança, o idoso, o portador de necessidades especiais, o deficiente – eles precisam deste nosso esforço. Mas o Conselho Nacional da Previdência Social, através de seu então presidente, no Governo anterior, Ministro Roberto Brant, considerou elevada a renúncia fiscal às filantrópicas, na isenção da cota patronal: fala-se em mais de 2 bilhões de reais / ano, mas não se comenta o custo-benefício, quanto deixa de gastar o Estado na atuação das entidades.

São 53% as entidades da área de assistência social, 26% da educação e 21% da saúde – obrigadas a conviver com repasses insuficientes e que são forçadas a equilibrar seus custos com o atendimento privado, buscando qualidade, com equipamentos caros. Pois não há saúde sem constante e cara renovação tecnológica. Como fazer ? Os próprios hospitais privados estão hoje em dificuldades: o que dizer dos filantrópicos ?

O que é, afinal, filantropia? Um galpão ou alojamento com alguns médicos gerais? Ou centros médicos especializados, funcionais, modernos, seguros, garantidores da vida ? E os custos da tecnologia implantada, podem ser comparados ? Comparar hospitais hoje é um despropósito, pois os números são frios e não demonstram, por si, as realidades e os níveis de procedimento, a qualidade da tecnologia empregada.

Que tal um levantamento, não apenas dos serviços prestados, mas na produtividade dos seres assistidos e reinseridos socialmente ? E as isenções industriais e comerciais, que foram, em 2002, a quase 24 bilhões de reais, comparam-se nos benefícios gerados?

Devem, sim, serem fiscalizadas estas entidades, que absorverão mais de dois milhões em 2003 de renúncia previdenciária – mas que, certamente, prestarão bem mais serviços do que isto. São menos de 5 mil entidades filantrópicas, a quase totalidade cumprindo seu papel social – e não podem moralmente ser comparadas e nem menosprezadas no seu papel histórico. São sérias e responsáveis, responsabilizadas desde sempre.

As entidades filantrópicas estão aqui desde os primeiros ocupantes da terra, são sementes da colonização lusitana,que nunca viveriam sem elas, posto que o estado jamais dedicou-se a assistir de maneira compromissada. Na educação, na saúde, na assistência social, quem fez mais do que a filantropia ? Pois ela tem direitos adquiridos: é imoral arrancar recursos dos mais humildes, ao mesmo tempo em que se oferece generosas isenções às empresas nacionais e estrangeiras. No sacrifício do próprio estado, onerado pelos gastos com os serviços públicos acrescidos na ausência da filantropia.

O atendimento hospitalar, por exemplo, é indispensável, como é o da Santa Casa de Misericórdia de Santos, nascida antes da cidade há 5 séculos. Como é o da Beneficência Portuguesa, de quase um século e meio, desde o Império – surgida entre epidemias que ameaçavam a existência humana nesta cidade. São vidas dedicadas e doadas à esta causa humanitária, patrimônios, existências – na consciência de que elas são imprescindíveis.

Nascidas em uma sociedade que não corrigiu seus erros, o Brasil tem a maior contradição e injustiça social no mundo, segundo a ONU – ao lado apenas da pequena Suazelândia, na África. E a amenização do sofrimento de milhões veio pelas mãos beneméritas destas entidades – hoje atacadas pelo Governo Federal, no objetivo de ampliar as receitas do INSS, descobrindo um santo para tapar outro.

Ao invés do Governo procurar as entidades filantrópicas e equacioná-las, estes que ficaram outrora longos anos sem receber por conta da falência do sistema estatal, que viveram da caridade pública jamais ausente, recebem, agora, o ataque final do Governo Federal. É preciso que o Governo Lula atue no sentido da ampliação das perspectivas da saúde e da vida – não com multas impagáveis, impostas por heranças ingratas Que sejam criadas soluções. É o que esperamos.