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1968, o que foi? Por que registrar e debater 1968, que não é um mero milhar, mas uma transação planetária neste ano que envolveu milhões? Esse ano é uma referência de época de intensa participação juvenil na política e na discussão social, pelo que se luta hoje. Que significado teria falar nisso nestes tempos que existiram em Santos e no mundo todo? Não se corrigiram os defeitos apontados e nem satisfeitas às condições reivindicadas no planeta em 1968 – que cantava a liberdade. Nos resultados de crimes crescentes e tragédias sociais abrangentes, buraco na camada de ozônio e bombas de fumaça destruindo climas, então vemos o resultado. E podemos compreender o sentido de ouvir estrelas, ora direis, buscando alternativas.

Não há o que se dizer. É preciso retomar 68, escrevê-lo e debatê-lo, retomá-lo e buscá-lo em sua essência de negação da exclusão em todos os seus sentidos, de idéias coletivas, de desprendimento, de generosidade, de amor. Por que isso era 1968 no planeta, na Era de Aquarius de gente especial como o Capitão Sérgio, que disse NÃO à ordem de bombardear seres humanos. Era tempo de Maurice e de seu Cinema de Arte em Santos, do espetáculo do teatro, da pintura, da música, da poesia, do jornalismo militante, da ação fascista dos “Caçadores de Comunistas” e dos cultores da velha ordem.

1968 era o tempo de Martin Luther King, um pastor batista de voz forte que cantava “Eu tenho um sonho” e levava neste ano uma passeata de quatro milhões sobre Washington – assassinado há 40 anos em um quatro de abril. Aqui cem mil forravam de gente a Cinelândia carioca em junho, articulavam-se reações às cassações, às repressões, aos crimes, à censura. O país não era e não seria um quartel. Assim era na França, na Itália, na Checoslováquia, no Brasil e na América do Sul e Latina, nos Estados Unidos, na Alemanha, na Inglaterra, enfim. Foi mundial.

Era uma gente criativa, colorida e de cabelos longos, igual, intelectual e engajada em mega-soluções e ações diretas – que impregnava de alegria uma geração cujas causas ultrapassavam o umbigo que se discute hoje. Ao contrário do que dizem, 1968 começou no Brasil, concomitante aos estudantes de Nanterre, que brigaram por não poder mais visitar as moças nos dormitórios. Aqui, uma manifestação para melhorar a comida do restaurante Calabouço detonou a ação coletiva, transformadora como os movimentos sociais reivindicatórios que levamos hoje, como do transporte coletivo.

Em 28 de março tombou Edson Luiz com 16 anos, baleado pela polícia, inaugurando 68 aqui. Um ano que acabaria, no Brasil, com um ato violento em que a Ditadura se radicalizava, em 13 de dezembro – com dez mil cassados e impedidos de atuar na política. Era o Ato cinco. Temos heróis que denunciavam a tortura, temos os que pereceram, os que foram soltos depois da ação libertária integrada por Gabeira, letra e música, herói. Mas o que foi 68? Depois de mais três décadas, ainda está em estudo, garantem os especialistas em análises sociológicas, históricas, psicológicas, pois explodiu em diferentes formas no mundo, a favor e contra o stalinismo, contra o racismo, a guerra, a Ditadura Militar brasileira que torturava e proibia, enfim. O espírito de 1968 correu o mundo sem a Internet, que não existia. Foi a globalização da revolta, ansiosa por um mundo novo, produzida pelo espírito de Eros, a exarcebação da libido. Foi profético.

No pós-guerra iniciou-se imediatamente outra guerra, esta fria, antes mesmo de contados os mortos de Hiroshima e Nagasaky, no genocídio norte-americano que detonou as bombas atômicas, na afirmação da vontade imperial de Tio Sam. Os jovens que nasceram no pós-guerra queriam o cumprimento da Declaração dos Direitos do Homem, das revoluções francesa e norte-americana do século XVIII – mas queriam também ir além. Os tempos são diferentes destes em que se fazem campanhas para engajar os jovens no processo político institucional. Inexistem – ou quase – organizações que pensem em abstrato, em idéias – no espírito transformador de 1968. Atribuem-no à violência dos tiranos da América Católica, aos europeus que ficaram satisfeitos com a Reforma Iluminista e Positivista. Ou à Guerra do Vietnã que ocupava com manifestações as ruas dos Estados Unidos, no Movimento Hippie ou na Ação Revoltosa dos negros aptos e conscientes da sua igualdade.

Como 1968 durou tão pouco e significou tanto, para tantos ? Seria a rebeldia secular? Em 1868, depois de reingressar no curso de Direito da São Francisco, em São Paulo, o poeta Castro Alves explodia libertário no Rio de Janeiro para derrubar a escravidão, na causa concretizou sem ver o fim, até hoje incompleta. Em 1868 reunia-se a Internacional Socialista para armar as estratégias da redenção dos povos do mundo, nessa marca que germinou 1968. Castro estava nessa. Os dois, o da poesia e o da ilha do Caribe, mesclando materialismo com romantismo, buscando a liberdade além da mera formalidade – adequação ao futuro, desconstrução, desafio como aquele ao Tio Sam.

Santos perdia seus bondes abertos em janeiro de 1968, parte de seus heróicos vínculos com seu passado libertário. Logo ficaríamos sem todos os elétricos sobre trilhos, para gozo das indústrias de petróleo e borracha, deixando saudades. Em outubro acontece o Congresso da UNE, para o qual levantamos fundos aqui, dia 12, em Ibiúna – ocupado pelo Exército e com 1.240 presos. A radicalização é a senha, contra a ditadura e pelo socialismo. A pauta era o amor comum e não o egoísmo atual.

1968 foi um “Assalto Aos Céus”. Em 1871, no mesmo mês que 1968 explodiria em Paris, os trabalhadores tomavam o poder na cidade. Mas de 21 a 28 de maio 20 mil operários franceses foram chacinados por esta ação denominada “Comuna de Paris”. Ao escrever sobre o episódio, construindo a teoria da necessidade da organização operária para tomar o poder, Karl Marx disse que a Comuna de Paris, o efêmero da direção da sociedade pelos trabalhadores, foi um frustrado “Assalto ao Céus”. 1968 foi pensado assim, derrotado mas sobrevivente na produção da substância do Poder Jovem restaurando a razão e apontando o ridículo da sociedade burguesa.

1968 se explica por suas frases em Paris e Nanterre: Um pensar que estanca é um pensar que apodrece. Reformas: clorofórmio. Chega de tomar o elevador: tome o poder! Sejam realistas, exijam o impossível! 1968: barricadas fecham as ruas, mas abrem o caminho. É maio, é Paris. Vamos fazer outra vez uma Revolução Cultural contra uma sociedade de robôs? A inteligência caminha mais do que o coração, mas não vai tão longe. O direito de viver não se mendiga, se toma! Abaixo o realismo socialista, Viva o surrealismo! Sou marxista da linha Grouxo! Menor de 21 anos, eis a sua cédula de votação – um paralelepípedo. Seja jovem, cale a boca. 1968 disse não.