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Ataca-se o sagrado quando se permite que um hospital como o São José – a Santa Casa de São Vicente – feche as portas. Está na raiz lusitana de nossa gente a misericórdia, a defesa da vida. Como multar em 17 milhões uma instituição que, suprindo a obrigação estatal descumprida com a saúde carece de dinheiro até para os salários? Mas a multa é apenas uma demonstração do desprezo com a saúde, para o que buscamos soluções metropolitanas, com o Hospital Público da Baixada Santista que queremos implantar para integrar o sistema regional.

Coincidentemente, neste dia 11 se completaram 15 anos do desaparecimento de um vigoroso militante da saúde, provedor da Santa Casa de Santos, vítima de um colapso quando discursava sobre as dificuldades da saúde pública no Brasil – e no momento em que inaugurava mais um sistema para permitir a sobrevivência de tão essenciais serviços: Antonio Manoel de Carvalho. Santa Casa que continua com heróicos provedores como Manoel Lourenço das Neves, os dirigentes das Beneficências Portuguesas como Antonio Ermírio.

Como o governo faz como quem não tem nada a ver com o fechamento do São José, levando ao caos a saúde na segunda maior região do país? A insensibilidade do governo agride o bom-senso, que só existe para financiar com dinheiro público a venda de estatais. E, generosamente, conceder aumentos sempre que o dólar sobe, sem reduzi-los quando a moeda cai.

Com o atual sistema de remuneração do Sistema Único de Saúde,, que com pagamentos abaixo da despesa real constrói sempre um rombo monumental, o São José, com 90% de atendimento do SUS, não poderia escapar à regra. O Governo nunca teve com os hospitais a mesma atenção que tem, por exemplo, com as empresas de energia.

E pior, os hospitais mantém com os planos de saúde um sistema de garantia do atendimento público, sofrem também por esta fonte de renda ataques como o congelamento dos custos dos planos impedindo o repasse completo dos custos hospitalares. E assim, vão sendo sucateados. Sucateados, não podem se modernizar, para atender bem e faturar mais. Sucateados, não tem prestadores de serviço terceirizados.

O atendimento de saúde brasileiro é historicamente filantrópico, na tradição lusitana, na essência das misericórdias da época medieval – que amaciavam a corda dos enforcados e recolhiam seus corpos, na impossibilidade de fazer melhor, o que fariam depois nos hospitais que instituíram.

Já não nos é possível permanecer plácidos como dantes, já não podemos concordar com o tratamento que do desprezo já anuncia agressividade do extermínio. É da nossa cultura popular esta razão de viver e de doar, de servir e de manter. E a nação não pode ser privada pelo estado desta atuação benemérita, promotora social da igualdade distante, na terra que ensinou à pátria a liberdade e a caridade.

 

Não adiantam campanhas preventivas nem remédios genéricos, quando não se atende à raiz da miséria expandida e do desprezo com o essencial, como com o São José. Como na resposta do francês Jean- Paul Marat na Revolução Francesa, aos que temiam as mudanças: qual a propriedade maior que a vida?