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Comemoramos neste maio, mas uma vez, o Mês da Saúde Mental em Santos – como de resto no país inteiro, nacionalmente no dia 18 – , aqui na lei de nossa autoria. O fizemos pelo significado mundial desta cidade no concerto da luta antimanicomial, na lição dada ao país e ao mundo na intervenção na Casa de Saúde Anchieta em três de maio de 1989, há 19 anos – um ato libertário no Governo da prefeita Telma de Souza, do secretário David Capistrano.

O episódio foi ilustrado no livro de Paulo Matos “Anchieta, 15 anos”, editado em 2004. Episódio foi estampado desde a BBC de Londres ao Washington Post, NY e Los Angeles Times, que trouxe a Santos técnicos de todo o país e de todo o mundo alargando os horizontes da cidade com programas de reintegração social, debaixo de ações judiciais diversas.

Eram tempos da Rádio Tam-Tam e de tanta coisa nova no nosso universo municipal, prêmios internacionais até da Organização Mundial de Saúde – na causa que teria o filme mais premiado do país, extraído do livro do ex-paciente Austregésilo Carrano. Um episódio raro registrado em livro para a história, tema do filme mais premiado do país. São cenários que abriram para a população brasileira o que ocorria (e ocorre, ainda) atrás dos muros, produzindo produzindo louciurare, ainda) atro mundo alargando os horizontes da cidadeivas que – exige loucura em seres maltratados, neste resgate da cidadania.

A intervenção no Anchieta foi a “quarta revolução mundial da psiquiatria”, como definiu o filósofo Felix Guatarri da Reforma Psiquiátrica francesa, pela participação popular provocada como substância necessária. Na ação feita aqui nas lições do saudoso psiquiatra Domingos Stamato, na memória de Antonin Artaud e da militância de tantos na cidade libertária – pondo fim a um capítulo trágico de quase meio século em nossa história. Era a vitória dos mentaleiros, dos trabalhadores da Saúde Mental, no exemplo italiano de Basaglia no enfrentamento necessário que projetou Santos mundialmente na aplicação prática das teorias que vicejavam pelo mundo.

A luta antimanicomial foi uma caminhada retomada pela militância após o Golpe Militar de 1964, impondo um revés à tortura de tantos, como se fizera no mundo, no Brasil e em Santos, que se rebelou. Desde fins dos anos 70, quando foi fundada a Associação dos Trabalhadores na Saúde Mental, a ARTSAM, do primeiro seminário em 1980, da luta contra o “chiqueirinho” desumano que prendia em celas os portadores de transtornos mentais.

Há 56 anos, no dia 20 de maio, se inaugurava, no Rio de Janeiro, o Museu do Inconsciente, com obras artísticas dos pacientes, marco da política humanitária e racional de tratamento dos doentes mentais que, iniciada pela psiquiatra Nise da Silveira. Uma solitária e libertária profissional feminina dos anos 20, discípula de Jung, que revolucionaria os conceitos de psiquiatria no Brasil e no mundo. Há 110 anos, registrados no dia 18 de maio, nascia o Hospital Psiquiátrico do Juqueri, palco de tragédias.

São muitas as datas de maio para a Saúde Mental, que não é só o Mês das Noivas. No dia 18 de maio, pela décima oitava vez comemoramos o Dia da Luta Antimanicomial, desde o evento que a inaugurou em 1987, o II Congresso de Trabalhadores da Saúde Mental, que desencadeou um processo de transformação. Maio é, pois, um mês dedicado à Saúde Mental e hoje o temos fixado no calendário também na cidade de Santos, como no Brasil.

Em 1989, o fim das torturas aconteceu em Santos com a Prefeita Telma de Souza – e só 12 anos depois estes valores seriam lei no Brasil, a 10.216/2001, do deputado Paulo Delgado. E o 18 de maio deste ano, marcado como o Dia da Luta Antimanicomial, comemorou mais um aniversário da lei brasileira, modernizando de fato o atendimento hospitalar dos pacientes e não criando novos setores excluídos, como ditava a regra secular desde Phillipe Pinel no século XVIII e antes.

A lei segue os princípios da Organização Mundial de Saúde e avança sobre o que eram as normas legais da época do fascismo no Brasil, o decreto-lei 24.599, de 3/7/1934, que normatizava o setor. Era o tempo de barbaridades como a operação cerebral – lobotomia -, invariavelmente fatal, do portugûes Ega Muniz, do eletrochoque descoberto como amansador de porcos de Carletti e Bini.

Essa nova visão, trazida por Nise, do que se chamava loucura e passou a constar como “um dos estados do ser”, estimulando a afetividade nos esquizofrênicos, se expandiria na Itália com Franco Basaglia em 1961, a que antecederia a psiquiatra brasileira que se recusou a aplicar lobotomias e ineditamente criou a terapia alternativa no Hospital que hoje leva seu nome, neste ano do centenário de seu nascimento.

Presa como comunista na ditadura Vargas, Nise frutificaria em Santos na ação da “invasão saudável” ao Hospital Anchieta – a conhecida “Casa dos Horrores” da Vila Mathias (1948-1989) de inúmeras mortes e torturas – decretando a humanização do tratamento dos pacientes vítimas de transtorno mental no Brasil.

Surras, suicídios, torturas e mortes eram realidade dos 543 doentes mentais acumulados no Hospital Anchieta em março de 1989, uma realidade ocultada por altos muros, em graves infrações aos Direitos Humanos e às garantias constitucionais. A lei federal só permitia seis doentes por metro quadrado e cabiam 219, “tratados” sem terapias, comida precária, doenças, com limpeza feitas por eles próprios, sem camas para a maioria, sem funcionários, eletrochoques como punição até para quem cantava.

Essa realidade foi revertida através de uma posição política firme e decidida da Prefeita Telma de Souza e de seu secretário de Saúde David Capistrano, de psiquiatras e psicólogos como Lancetti, Stamato, Tikanori – acabando com esta fábrica de loucos.

A luta pelo fim dos manicômios, dos sistemas de confinamento de doentes mentais, eletrochoques, torturas e remédios fortíssimos, em sistemas que aniquilavam seres humanos, se iniciou com Nise da Silveira em 1961, como produto do movimento da psiquiatria alternativa de 1945 dos psiquiatras Félix Guatarri e Monik Elkaim, as primeiras comunidades terapêuticas. Em 1971, na Itália, picaretas colocam abaixo os muros dos hospícios nas teses de Franco Rotelli, proibidos na Itália em 1978. Santos levou, em maio de 1989, adiante o Brasil nesse processo humanitário.

Mas a vitória ainda não chegou e ainda existem 253 manicômios no Brasil, lobotomias e eletrochoques, na memória de 300 mil mortos nos manicômios em uma década, covas clandestinas, extraindo a segunda maior despesa do SUS. O momento é de programas federais como o “De volta pra casa” do Governo Lula esvaziando estes asilos progressivamente, em redes alternativas que – exige a cidadania – temos que apressar.