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Aumenta-se o número de vereadores nos municípios (mais 7.554 edis, retornando parte dos 8.258 retirados pelo TSE e pelo STF em 2004), mas se aniquilava suas possibilidades financeiras. Mas nos debates eliminou-se o limite de 70% das verbas para pagar os vereadores e funcionários, deixando os gastos fixos e despesas por conta por conta do Executivo, delegando-se ainda mais seu controle a estes. Ficou pior a emenda (de Penido, que não é perito) do que o soneto: consertou-se um erro, mas assassinou-se a norma iluminista.

Ao mesmo tempo em que se fortalecem os Executivos com uma tucana “flexibilização” da Lei de Responsabilidade Fiscal e os ganhos dos deputados federais ganham reforço, torpedeia-se a representação popular das únicas bases reais da federação – os municípios -, designando-se em cálculos feitos nos joelhos, para dizer o menos, as verbas para sua sustentação e desempenho. Na aprovação na Câmara, destaque-se, estava alerta o deputado Márcio França, que se absteve de ratificar algo que tem seu naufrágio datado nas próprias contradições que construiu.

Após a Constituição Cidadã de 1988 ter resgatado muito da autonomia dos municípios, sonhada antes em Santos na Constituição Municipal de 1895, que revogada deixou para trás o projeto democrático e autônomo que propugnava como vanguarda – Constituição Cidadã que primeiro fixou a Democracia Direta em seu Artigo primeiro, Artigo este nunca dantes proposto, mas também desde então jamais realizado -, este intuito é outra vez escandalosamente fraudado na restauração de uma medida inepta da Justiça Eleitoral que reduzira as edilidades dos núcleos do país.

Mas por outro lado, ainda que elevando o número de vereadores, por conta das radicais diferenças entre população e renda dos cinco mil municípios brasileiros, a emenda premia algumas, mas aniquila a maioria das estruturas legislativas do país – que tem como ficções geradas por elas os estados e a federação sem corpo próprio. Tratando coisas diferentes em absurda e desvairada isonomia impossível no sonho dos parlamentos tecnocratas e divorciados de sua base – que matam suas origens.

Disse Ruy Barbosa que “A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade. O mais são desvarios da inveja, do orgulho, ou da loucura. Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real. Os apetites humanos conceberam inverter a norma universal da criação, pretendendo, não dar a cada um, na razão do que vale, mas atribuir o mesmo a todos, como se todos se equivalessem”.

Ruy disse isso em relação aos fortes e aos fracos, frisando que a isonomia ideal não é a isonomia real, cuja tese se aplica na realização democrática das unidades-base dos países que constroem como ficção. Delas se projetaram as estruturas estaduais e federal, que em países com formação política baseada em suas origens – e dos quais imitamos a forma republicana, o respeito às sementes da federação se traduz na garantia de direitos decisórios às cidades e unidades federativas, os estados.

O ideário iluminista da “rés publica”, a coisa pública, na essência resultante da Revolução Francesa de 1789, por sua vez, inspirada no pensamento dos enciclopedistas do século XVIII, Rousseau, Montesquieu, Diderot, Voltaire e antes por Adams na América, no Brasil sofre um processo inverso ao da correção e ampliação de seus poderes na ótica da construção democrática: ao contrário, se centraliza, obedecendo à senha da monarquia que arrastamos desde a descoberta.

Atualmente, os municípios devem gastar de 4,5 a 8% dos orçamentos municipais com as Câmaras, parlamentos que tem seus poderes ceifados pelos Executivos das cidades, tornando ineptos os vereadores, que por sua vez os tem tomados pela federação – enfraquecendo o poder dos núcleos-base do país. Mas ao invés de corrigir estas deformidades políticas, adotam-se novas medidas centralizadoras como esta.

Na Emenda, as cidades estão divididas em cinco faixas as dotações possíveis, em cálculos joelhares fixando o número de edis e o percentual de repasse, em uma média de 2,87%. Uma média falsa como a média de profundidade de uma piscina, que de um lado é rasa, mas de outro afoga: Santos, que podia ir até 6%, agora iria (irá?) a 2%. Espera-se que no Senado o Projeto sofra novas emendas e, assim, salvem-se os legislativos e a estrutura política brasileira que volta à monarquia no desprezo às suas bases originárias.